Uma nova série de invasões à Terra Indígena Karipuna, localizada em Porto Velho, Rondônia, foi documentada por monitores indígenas entre os dias 12 e 19 de julho de 2025.
O relatório, ao qual o jornal teve acesso exclusivo, revela que madeireiros voltaram a atuar no interior da TI menos de doze meses após a última operação federal de retirada de invasores.
A reincidência escancara a fragilidade do controle territorial e a falência das políticas de proteção indígena no país.
O documento, produzido pela própria comunidade Karipuna com apoio técnico da Associação Kanindé, apresenta evidências georreferenciadas de três pontos críticos onde há desmatamento ativo, beneficiamento clandestino de madeira e circulação de caminhões para transporte irregular.
Além dos danos ambientais, o relatório denuncia ameaças à integridade física das lideranças indígenas e o clima crescente de medo na aldeia.
Floresta sob ataque: “os invasores voltaram antes que as cicatrizes da última ocupação tivessem fechado”
Na narrativa do relatório, a terra é descrita como um organismo vivo, ferido por um ciclo contínuo de devastação: motosserras em atividade, maquinário pesado operando ilegalmente e igarapés contaminados por resíduos. Entre os pontos destacados está um “templo profano” de beneficiamento ilegal de madeira, instalado em área sagrada para os Karipuna.
“É a morte que se instala onde deveria florescer a vida”, diz um trecho do documento. A comunidade relata também a presença de homens armados, ameaças diretas às lideranças e um tráfego intenso de veículos desconhecidos em trilhas ancestrais.
Direitos violados, Estado ausente
A análise jurídica do relatório baseia-se em marcos constitucionais e tratados internacionais ratificados pelo Brasil. A Constituição de 1988, a Convenção 169 da OIT e a Lei de Crimes Ambientais são citadas para embasar os pedidos urgentes dirigidos à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Polícia Federal, Ministério Público Federal e Ibama.
Entre os requerimentos estão a instauração de inquérito, ações de expulsão imediata, proteção das lideranças ameaçadas e responsabilização penal dos autores e financiadores da invasão.
Colapso anunciado
Segundo o documento, a reincidência das invasões representa não apenas um crime continuado, mas “um escárnio à soberania nacional e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na agenda climática”.
O prognóstico socioambiental alerta para uma possível “extinção cultural em curso” e o risco de colapso ecossistêmico.
A destruição dos corredores ecológicos, o desaparecimento de espécies e a contaminação das águas são apresentados como evidências de um processo de deterioração que pode se tornar irreversível.
“O tempo não é mais aliado — é adversário implacável. Cada amanhecer que encontra os invasores ainda no território representa não apenas crime, mas sentença de morte para ecossistemas milenares e culturas insubstituíveis”, conclui o relatório.
Silêncio institucional
Até o fechamento desta reportagem, nenhuma autoridade federal havia se manifestado oficialmente sobre o novo relatório.
Procurada pela reportagem, a Funai não respondeu aos pedidos de esclarecimento. O Ministério Público Federal em Rondônia informou, por meio de nota, que está “avaliando os elementos trazidos no documento” e que “poderá adotar medidas judiciais cabíveis”.
A comunidade Karipuna aguarda uma resposta. Enquanto isso, permanece na linha de frente de uma batalha desigual, tentando proteger o que resta de sua terra e de sua história — uma história que insiste em resistir.