Ao som de Il Silenzio, tocada numa corneta que ecoava pela vila, o locutor anunciava o filme da noite. A população, quase toda sem televisão, se arrumava como quem vai a uma festa rara. E era mesmo: uma viagem para dentro da magia do cinema esse mundo fascinante que, por alguns minutos, transportava os filhos dos pioneiros para lugares que só existiam na tela.
Era um misto de Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, com Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore. Essa é a sensação que me volta sempre que olho esta fotografia que me inspira a escrever: o Cine Marabá, armado por um grupo de ciganos que se instalou em Ouro Preto num tempo em que sequer havia prefeito. Quem mandava era o Incra.
A única escola existente era a Escola Isolada Doutor Joaquim de Lima Avelino, funcionando ainda no bairro Sapolândia uma vila de funcionários do Incra, do lado direito da BR-364 para quem vinha de Ji-Paraná.
A projeção dos filmes era em fita de 16 milímetros, foco manual, lâmpada fraca. E, mesmo assim, parecia tecnologia de outro planeta. Ringo, vivido por Giuliano Gemma; Rita Pavone; Trinity, interpretado pelo eterno Terence Hill. Esses eram alguns dos heróis que mexiam com a imaginação de uma gente simples, que jamais ousaria imaginar que um dia existiria internet.
Antes do Cine Marabá, em 1976, já havia passado por ali o primeiro cinema de lona: o Cine Sete Irmãos, da mesma família de ciganos. O dono era Sílvio Caldeira. Para nós, aquilo era o auge da diversão. Adultos e crianças se misturavam numa alegria que hoje parece ingênua, crianças que hoje são avôs e avós. Era também o tempo em que Mingonga (o ‘seo’ Francisco Pereira Maia), alcoólatra de rua, era o bicho-papão da garotada. A coisa era mais ou menos assim: a criança fazia bagunça e logo a mãe dizia: se continuar com malcriação, o Mingonga vai te pegar.
Ainda naquele mesmo ano em que o Cine Marabá chegou, inaugurou-se o Cine Teatro Ouro Preto, do ‘seo’ Agenor Nogueira da Rocha. Mas essa história eu vou contar em um capítulo especial afinal, é também a história da minha família.
A foto do Cine Marabá foi tirada onde hoje está a Praça dos Imigrantes. Já o Cine Sete Irmãos, o primeiro cinema de lona de Ouro Preto, funcionou durante seis meses onde hoje existe o posto de gasolina na esquina com a das lojas Americanas, na avenida Daniel Comboni. Aliás, o posto pertence a Alex Testoni. Hoje com 60 anos de idade é , prefeito de Ouro Preto, mas, na época era mais uma das crianças que tinham medo do Mingonga.
A praça dos Imigrantes tem hoje um monumento esculpido em madeira que tem a imagem do Mingonga, imortalizado pelo artista plástico Rômulo Ryguer.
Essa preciosidade fotográfica me foi enviada pela professora de matemática Helena Sig, que morou em Ouro Preto e hoje, aposentada, vive em Maringá/PR.
Roberto Gutierrez é jornalista. Na comunicação desde outubro de 1976, passou por todas as mídias e há quase três décadas é editorialista e analista político.