Em 2015, publiquei o livro A Cidade Que Não Existe Mais. Nele, resgatei a história fascinante de Santo Antônio do Rio Madeira — antigo município amazônico que pertencia ao estado de Mato Grosso e chegou a ter a maior extensão territorial do mundo, superando até países como a Itália.
Santo Antônio protagonizou um episódio raro na geografia política brasileira: foi oficialmente extinto em 1945, dois anos depois que surgiu o Território Federal do Guaporé — hoje Rondônia. Desde então, tornou-se parte de Porto Velho e abriga, a sete quilômetros do centro da capital, o Memorial Rondon.
Durante a pesquisa para o livro, encontrei muitas preciosidades em arquivos de Mato Grosso, Rondônia e Rio de Janeiro. Descobri documentos que ajudam a entender como Rondônia tomou forma, a partir de Santo Antônio. A história começa no século XVIII, com a fundação da vila pelo padre jesuíta João Sampaio, enviado pelo Reino de Portugal.
Tive também o privilégio de conhecer personagens que viveram na cidade antes de seu desaparecimento. Um deles foi o ferroviário José Bispo de Moraes, funcionário da lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Nascido em Santo Antônio e batizado na antiga capela de Santo Antônio de Pádua, “seu” Bispo faleceu em 2021, aos 86 anos. Deixou memórias vivas e relatos detalhados do dia a dia daquela terra.
Outro personagem marcante foi o jornalista Euro Tourinho, que viveu ali durante parte da juventude. Juntos, caminhamos pelas redondezas da Igrejinha — hoje ponto turístico e iconografia arquitetônica regional. Ele me mostrou o traçado das antigas ruas e relembrou histórias da chegada dos primeiros rádios, do comércio pulsante, da boemia tropical e da lenta decadência dos casarões engolidos pelas raízes da floresta, pelos cupins e pelo tempo.
Uma década depois, uma nova página dessa história se abre. Em 2025, A Cidade Que Não Existe Mais ganha vida nas telas. Sob direção de Marcos Nobre, o documentário mistura rigor histórico e dramatizações poéticas, com atores de Porto Velho interpretando cenas que pareciam esquecidas.

O projeto, que contou com minha colaboração no roteiro, é fruto de uma equipe talentosa e traz depoimentos de historiadores, escritores e vozes indígenas. A narrativa percorre momentos-chave: a chegada dos jesuítas, os conflitos com os Mura, a tentativa de presença estatal na Amazônia, os planos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré desde o século XIX, o impacto da Comissão Rondon, a Belle Époque Tropical, e até os degredados do Rio de Janeiro que ali foram abandonados à própria sorte.
A história é cíclica e nunca para. Em 2015, o livro devolveu Santo Antônio à memória regional, foi uma redescoberta. Em 2025, o cinema a pinta em cores, transformando a cidade fantasma em um emocionante longa-metragem, que estreia em dezembro.