O mesmo discurso que em 1979 poupou militares de seus crimes agora tenta absolver Bolsonaro e aliados de um golpe contra a democracia. Fanatismo político, desinformação e ameaças às instituições mostram que o Brasil enfrenta muito mais que um debate ideológico: é um delírio coletivo que põe em risco a própria Constituição.
Autoproteção
A anistia sancionada por João Figueiredo em 1979 aconteceu para evitar que militares que cometeram crimes diversos fossem julgados e condenados, e não para proteger as pessoas que lutaram contra o regime de ditadura militar de um golpe de estado instaurado em 1964.
“Mal necessário”
A mesma anistia também foi classificada como um “mal necessário”, visto que a abertura política estava na pauta. O país perderia muito tempo discutindo culpados e vítimas, e a redemocratização correria riscos.
Primeiro passo
Graças a isso, foi possível realizar as eleições de 1982, quando foram escolhidos desde vereadores até governadores e senadores. Já a eleição presidencial só aconteceu em 1989, com a vitória de Fernando Collor.
Não pacificados
Hoje, a extrema-direita quer aprovar uma anistia ampla e irrestrita para condenados por tentativa de golpe de Estado — leia-se Jair Bolsonaro e militares de alta patente. O discurso é o de que o país precisa ser pacificado. Ora, quem parou o país por não aceitar o resultado das eleições de 2022 foi a onda bolsonarista.
Demonizações
Durante quatro anos, foram criados “inimigos” para que os desavisados pudessem odiar: a Suprema Corte, as urnas eletrônicas, o PT e o comunismo. Essa estratégia de demonização alimentou as redes sociais com informações equivocadas, meias verdades e mentiras, provocando a indignação de muitos que acreditaram nessas narrativas.
Vítimas
Os mais revoltados tornaram-se vítimas da própria ignorância sobre a Constituição brasileira e suas instituições, justamente por conta do grau de desinformação a que foram expostos. Esse povo foi usado em um projeto de perpetuação no poder da família Bolsonaro e de seus aliados.
Cegueira coletiva I
É natural que muitas pessoas intoxicadas por informações distorcidas sobre democracia e liberdade de expressão me demonizem pelo que escrevo. No entanto, são essas mesmas pessoas que não percebem estar apoiando até mesmo uma possível intervenção estrangeira para implantar a extrema-direita no Brasil, com Bolsonaro como líder.
Cegueira coletiva II
São também essas pessoas que não enxergam a tentativa de deputados da extrema-direita de aprovar leis que lhes permitam cometer qualquer tipo de crime, ficando sujeitos a julgamento apenas se eles próprios autorizarem.
Cegueira coletiva III
Essas mesmas pessoas não percebem que o chamado “orçamento secreto” da Câmara, que deu origem às emendas pix, está sendo investigado pela Polícia Federal — e que muitos deputados federais correm risco de prisão por suposta corrupção.
E são, infelizmente, essas pessoas que não conseguem apontar sequer uma realização relevante do ex-presidente para o país.
Efeito colateral
O bolsonarismo político está se transformando em fanatismo, com características quase religiosas. Diante desse quadro, podemos concluir que, mais do que um problema de desinformação, estamos diante de um delírio coletivo que talvez requeira ajuda profissional.
Viva a democracia
Não é crime ser de direita ou de esquerda, nem se manter alheio a tudo isso. Mas é preciso ter bom senso, equilíbrio e empatia para perceber que a vida é feita de escolhas. E, especialmente na democracia — uma cláusula pétrea da nossa Constituição — quem tem mais votos recebe o mandato da maioria.